O ex-1° Oficial.
Havia assumido o posto de 1° oficial tinha pouco tempo. Inclusive, aquela era a minha primeira viagem como tal, no imenso navio Celestino de Nóbrega. O comandante da embarcação era homem polido; e, após o jantar das 20 h, logo se recolheu ao seu camarote no último andar, mas não sem antes fitar 360 graus da ponte de comando o alcance mais distante que seus olhos pudessem ver; nenhuma intempérie natural e nada além de água foi identificado.
Chamou-me em momento rápido e particular, deu algumas orientações e aconselhou que eu usasse o camarote de 2° oficial, por problemas de higienização no 1°. Havia morrido rato no local. Agradeci e disse que iria fazer uma análise e, se realmente tivesse inóspito, voltaria ao camarote de 2° piloto - o que eu não gostaria; pensei.
![]() |
Fonte: Google Imagens |
Os outros marinheiros desceram para porão, e como de costume, iniciaram a jogatina que estender-se-ia a noite inteira.
Depois de constatar que nada de anormal havia no meu camarote comecei a pensar se desceria para encontrar com os colegas no porão. Titubeei em decidir, dando uma volta ao longo do navio. Desci. Infiltrei-me ao grupo, que, entre gozações e apelidos, logo me fizeram sentir à vontade. Conversa vai e vem. Uma mesa com jogo de cartas, e outra com dominó. Cervejas e Wiskies sendo servidos. Torradas e queijos para tirar o gosto. Fotos de mulheres de todos os tipos sendo mostradas em celulares. Navio no piloto automático. Cada um contava uma estória, geralmente ligada a alguma mulher, em alguma cidade do mundo. Marinheiros geralmente são bons contadores de estórias. A noite, para quem quisesse se entreter, estava boa.
Aos poucos alguns marinheiros começavam a se recolher. Restaram entre 7 e 10 na jogatina. Quase 03 horas da manhã e o teor alcoólico no sangue já começava a evidenciar efeitos. Entre uma ou outra vinda do banheiro ouvi passos no corredor transversal. Acreditei que se tratava de algum marinheiro acordado, ou algo do tipo. Indiferente.
Noutro momento ouvi um barulho de alguém correndo, no mesmo corredor. Olhei pra trás. Os colegas não esboçaram qualquer atitude, então considerei novamente normal. Tornei a golar as cervejas e jogar cartas.
Depois mais algum tempo, bem pouco de sobriedade restava em cada um. Passava de 03h30m da manhã quando voltava mais uma vez do banheiro e notei de novo - desta vez com maior exatidão - alguém a passos largos no corredor lateral. Fui atrás e para minha surpresa, nada encontrei. Senti um calafrio imenso
e voltei ao porão com os colegas. Perguntei se alguém havia ouvido uma pessoa correr em direção à proa, ou se sabiam quem estava brincando daquela maneira. Pareceu a piada mais engraçada do mundo. Todos riram incontrolavelmente. Um deles disse “Não adianta, Ádimo. Nunca vais alcançar este cara.” E mais risos se misturaram ao barulho do mar. Franzi o rosto, fiquei calado e sentei. Aguardei um pouco e resolvi ir dormir. Não estava com paciência, e nem em posição de receber trotes.
e voltei ao porão com os colegas. Perguntei se alguém havia ouvido uma pessoa correr em direção à proa, ou se sabiam quem estava brincando daquela maneira. Pareceu a piada mais engraçada do mundo. Todos riram incontrolavelmente. Um deles disse “Não adianta, Ádimo. Nunca vais alcançar este cara.” E mais risos se misturaram ao barulho do mar. Franzi o rosto, fiquei calado e sentei. Aguardei um pouco e resolvi ir dormir. Não estava com paciência, e nem em posição de receber trotes.
Cheguei ao camarote, fui ao banheiro. Meio tonto tive a sensação de ver uma imagem. Um homem sentado no vaso com os olhos revirados e um uniforme idêntico ao que eu vestia. Sapatos escuros e pele assustadoramente branca, pálida, sem vida. Cabelos claros e rasos, com uma calvice notável. O mesmo calafrio de horas antes me invadiu, mas desta vez com intensidade superior. Esfreguei os olhos e a imagem não desapareceu. Ao invés disso, deu-me a impressão de vê-la levantar na penumbra do compartimento e estender as mãos sujas de sangue. Dei de ombros e cai para trás. Tentei levantar, mas derrubei objetos de uma mesa pequena, até que finalmente consegui apertar um interruptor e iluminar totalmente o ambiente. Notei que estava sozinho e fui me reestabelecendo aos poucos, aliviado. Que susto - pensei. O que foi isso? - perguntei no vazio.
O comandante, devido o barulho, veio no meu camarote verificar o que ocorreu. Expliquei a ele detalhadamente. Em resposta, me disse que a história do rato era apenas uma tentativa irracional de impedir que aquele camarote fosse usado. Disse, também, que a imagem que vi era do 1° oficial que trabalhou no Celestino de Nóbrega antes de mim, e que este oficial ceifou a própria vida dentro do banheiro do camarote que eu estava. Depois disso a imagem deste marinheiro aparece toda vez que cogita-se a utilização do camarote de 1° oficial.
Foi minha última viagem antes de começar a exercer minha segunda profissão: contador de estórias.
Comentários
Postar um comentário