É nessa época.
Há uma época em Belém do Pará que a gente costuma chamar, sem medo de exagerar, de “natal do paraense”. Não é força de expressão. É o Círio de Nazaré, em outubro, quando a cidade inteira muda de ritmo e de cheiro.
Não vou me prender à história - isso os livros e os devotos contam melhor do que eu. Falo como quem vê de fora, mas não consegue deixar de se encantar. Minha mãe bem que queria que eu fosse mais religioso, mas Deus me deu pouca fé, embora isso não me faça perder a oportunidade de me deliciar nas pequenas coisas que só essa época traz.
Porque é nessa época que o paraense se torna ainda mais paraense. As panelas recebem pato no tucupi, como se fosse impossível não cozinhar esse prato em outubro. Aliás, o tucupi tem algum limite? Tudo que ele toca ganha alma. A maniçoba, então, fica ali borbulhando sete dias inteiros no fogo, quase como uma reza que se faz com colher de pau. E, de noite, as janelas se iluminam com velas tremulando - e cada casa parece carregar dentro dela um pedaço de fé ou de lembrança.
É também o tempo dos encontros. As famílias que às vezes mal se veem durante o ano encontram desculpa para se reunir em volta da mesa. Amigos antigos se cruzam na rua, se abraçam apressados, mas deixam escapar risadas e memórias. Os corações ficam mais macios, e a solidariedade parece se espalhar no ar, tão natural quanto a chuva de fim de tarde.
E os que estão longe? Ah, esses sentem o chamado. Alguns voltam só para matar a saudade do vatapá, do tacacá, do açaí grosso, dos peixes, dos camarões. Outros não podem voltar, e choram escondido em banheiros frios de outras cidades, tentando disfarçar a saudade que não cabe no peito.
Belém também muda de cheiro. Tem o cheiro da terra molhada, do miriti fresco, dos brinquedos artesanais pintados à mão. Tem o barulho das fitinhas batendo no braço dos fiéis, o estalo dos fogos no céu, o riso das crianças vestidas de anjinho. Até aquele brinquedo improvisado com ficha de refrigerante vira memória viva.
E o mais bonito: a fé se mostra em miniaturas. Barquinhos, casinhas, carrinhos, bonecos - tudo feito com capricho por mãos paraenses que entendem que gratidão também pode ser oferecida em escala reduzida.
O Círio é um acontecimento gigante, que não cabe em explicação: são onze romarias, uma multidão imensa, e o coração da cidade batendo mais forte.
E a gente, que olha, vive, cheira, come e sente tudo isso, só consegue concluir: é apaixonante. É contagiante. É Belém sendo Belém.
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