.Um dia atípico
Vinte anos. Era o tempo que havia passado desde meu nascimento até aquele momento marcante. Uma fase repleta de incertezas e projetos ambiciosos, caracterizada pela doçura e singularidade, pois coincidia com o auge do desenvolvimento humano. Idade gostosa e extremamente peculiar por corresponder ao cerne da amadurecência humana. A conclusão da faculdade se aproximava, assim como o alvorecer da minha carreira profissional. Todos os pensamentos estavam voltados pra este cenário.
Não obstante, comecei a perceber algo: sentia que uma aflição visitava o coração da Dona Maria. Suspeitava que a razão fosse a saúde debilitada de nosso gato de estimação, animal pelo qual minha mãe era extremamente devotada. Embora todos em casa nutríssemos uma sincera afeição pelo felino, a preocupação dela parecia desproporcional ao que a situação exigia. Surgiu em mim a suspeita de que algo mais grave estava em curso.
Observava frequentemente minha mãe em cochichos e deslocamentos apressados com minha irmã, que na época contava com dezessete anos. Essa atitude furtiva despertou em mim uma crescente curiosidade e apreensão acerca dos motivos de tal agitação. Múltiplas teorias afloraram em minha mente, infelizmente nenhuma era positiva.
Dois a quatro dias depois do sentimento de estranheza ter surgido, minha mãe me chamou pra conversar. Preocupei-me, inevitavelmente. Uma crise de aflição, ansiedade, angústia e culpa me assombraram. Sim, eu senti culpa pelo que ainda nem sabia o que era. Minhas pernas bambearam e eu senti vontade de abrir a boca da minha mãe com minhas próprias mãos para que ela cuspisse de uma vez o que, de fato, estava acontecendo.
Ela, com uma mistura de nervosismo, alegria, preocupação, angústia; pediu-me ajuda para uma situação que envolvia meu pai. Nunca esquecerei deste momento: ela estava com a testa levemente franzida, um olhar de aparência preocupado e fixo. A boca parecia dançar, para ganhar tempo, ao ensaiar as palavras que, antes, demonstravam dúvidas em soltá-las ao ar em forma de som. No rosto, a pele estava oleosa e os cabelos estavam soltos da forma de quem, no momento, não ligava tanto pra esta condição.
Aquele contexto mexeu comigo. Houve uma crise interna no meu organismo que foi refletida nas pernas que, novamente bambearam, ao mesmo tempo que minha respiração ficou mais densa. Entrei na ciranda do medo sem nem saber o porquê, mas temi que as paredes da minha cada tivessem ouvidos. Desconfiquei que os vizinhos pudessem ouvir o que, claramente para mim, deveria ser uma notícia ruim.
- Saúde? Dívidas? Depressão? Infidelidade? Drogas? Foram as autoperguntas que emergiram nos meus pensamentos como num “arco-reflexo”. Aquele efeito da biologia que nos protege dos perigos.
Nos segundos que se seguiram, que mais pareceramm anos de agonia, recebi uma notícia que mudaria nossas vidas para sempre. Uma notícia que dividiria em "antes e depois" a vida de três pessoas. A surpresa mais inesperada de todas: Minha irmã estava grávida e precisava de ajuda pra comunicar isso ao nosso pai, senhor com costumes tradicionais herdados do tempo em que foi militar. Dei de ombros. Fui tão bem surpreendido da forma como eu nunca imaginaria que pudesse ser.
E como se não bastasse, o velho militar teve reação similar, positiva e apoiadora, para a surpresa das mulheres da casa.
Depois de menos de 8 meses eu ganhei meu sobrinho, Chicão. O grande Chicão!
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