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Mostrando postagens de 2013
Ele deixou cair no cinzeiro o cigarro que se apagara. -Uma vez, quando era menor ainda do que você, brincava com um espelhinho à beira de um poço da minha casa, eu morava numa fazenda meio selvagem. O poço estava seco e era bonito o reflexo do espelhinho correndo como se fosse uma lanterna pela parede escura, sabe como é, não? Mas de repente o espelho caiu e se espatifou lá no fundo. Fiquei desesperado, tinha vontade de me atirar lá dentro pra buscar os cacos do meu espelho. Então alguém - acho que foi meu pai - levou-me pela mão e me consolou dizendo que não adiantava mais nada porque mesmo que eu juntasse, um por um, os cacos todos, nunca mais o espelho seria como antes. Sabe, Virgínia, vejo Laura como aquele espelho despedaçado: a gente pode ir lá no fundo e colar os cacos, mas tudo então o que ele vier a refletir, o céu, as árvores, as pessoas, tudo, tudo estará como ele próprio, partido em mil pedaços.

Ganhar tempo.

Um alicate de unhas velho, sujo, levemente enferrujado,com a cabeça cega e de cabo rosado. Lapiseira verde com escrituras do fabricante apagadas pelo tempo. Borracha branca com capa azul; desgastada. No outro lado, o esquerdo, havia o telefone antigo, daqueles de enfiar o dedo e rodar; próximo a isto, uma moeda de 10 centavos esquecida pelo tempo e pelo valor, sobre alguns papéis com umas anotações quaisquer; riscadas em traços de tinta vermelha. No chão, uma xícara de café suja e com formigas. Ao lado desta, um cinzeiro fedorento de cigarros que um dia foram testemunhas do desespero humano. Sentado sobre uma cadeira que ecoava balbúrdia no menor movimento, ele tinha certeza de que aquela seria uma noite de decisão muito difícil.

O ex-1° Oficial.

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Havia assumido o posto de 1° oficial tinha pouco tempo. Inclusive, aquela era a minha primeira viagem como tal, no imenso navio Celestino de Nóbrega. O comandante da embarcação era homem polido; e, após o jantar das 20 h, logo se recolheu ao seu camarote no último andar, mas não sem antes fitar 360 graus da ponte de comando o alcance mais distante que seus olhos pudessem ver; nenhuma intempérie natural e nada além de água foi identificado. Chamou-me em momento rápido e particular, deu algumas orientações e aconselhou que eu usasse o camarote de 2° oficial, por problemas de higienização no 1°. Havia morrido rato no local. Agradeci e disse que iria fazer uma análise e, se realmente tivesse inóspito, voltaria ao camarote de 2° piloto - o que eu não gostaria; pensei. Fonte: Google Imagens Os outros marinheiros desceram para porão, e como de costume, iniciaram a jogatina que estender-se-ia a noite inteira. Depois de constatar que nada de anormal havia no meu camarote ...

Aeroportos.

Poucos são os lugares em que qualquer dia e hora se possa ir e encontrar alguem. Àquele que precisa fugir da solidão pode ter como alternativa os aeroportos, sempre tão cheios de pessoas das mais variadas histórias. Os aeroportos têm pessoas indo trabalhar, vindo passear, indo se despedir, indo chorar. Pessoas vindo conhecer algo, indo para um show, ou apenas sacar dinheiro no banco 24h. Têm pessoas comendo, pessoas dormindo, pessoas falando ao celular. Têm várias nacionalidades, vários idiomas, várias sorrisos, várias estilos de roupas para usar. Não há nada mais miscigenado que aeroportos. Nada mais heterogêneo. Paradoxalmente, este séquito de pessoas interligadas sem relação alguma, torna o aeroporto um lugar solitário. Apenas  “um nome no papel”. Em cada abraço ver-se junto à alegria a tristeza de uma despedida, ou à tristeza a alegria da quebra de um jejum de saudade.

As leis criadas dentro de si.

Uma nota de dez, uma nota de cinco, uma nota de dois e algumas moedas. Raras eram as vezes em que se via uma de vinte. Cinquenta era praticamente impossível. Esse era o padrão estabelecido, se nada fosse feito. O garoto, lembrando a promessa feita ao irmão, decidiu mudar seu destino, seguindo apenas as leis criadas dentro de si. Ele não imaginava que seu futuro filho sofreria por carregar um sobrenome tão pesado, nem que sua família inteira seria afetada. Ele cresceu, teve sucesso profissional e formou uma família. Seu filho, porém, tinha características distintas. Preferia roupas simples e um emprego modesto. Frequentava lugares ao ar livre e fazia parte de um grupo alternativo de rock. Parecia até de propósito que não passava nas matérias da universidade particular. Com pouco tempo para a família, o ex-garoto, agora chefe de um lar, já sofria de pressão alta e insônia devido a pesadelos constantes com o trabalho. Sua fortuna diminuía à medida que a crise financeira avançava. Ele não...

Atitude suspeita

Sempre me intriga a notícia de que alguém foi preso "em atitude suspeita". É uma  frase  cheia  de  significados.  Existiriam  atitudes  inocentes  e  atitudes duvidosas  diante  da  vida  e  das  coisas  e  qualquer  um  de  nós  estaria  sujeito  a, distraidamente, assumir uma atitude que dá cadeia! – Delegado, prendemos este cidadão em atitude suspeita. – Ah, um daqueles, é? Como era a sua atitude suspeita? – Suspeita. – Compreendo. Bom trabalho, rapazes. E o que é que ele alega? — Diz que não estava fazendo nada e protestou contra a prisão. –  Hmm.  Suspeitíssimo.  Se  fosse  inocente,  não  teria  medo  de  vir  dar explicações. – Mas eu não tenho o que explicar! Sou inocente! – É o que todos dizem, meu caro. A sua situação é preta. Temos ordem de limpar a cidade de pessoas em atitudes suspeitas. – Ma...

É nessa época.

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Há uma época em Belém do Pará que a gente costuma chamar, sem medo de exagerar, de “natal do paraense”. Não é força de expressão. É o Círio de Nazaré, em outubro, quando a cidade inteira muda de ritmo e de cheiro. Não vou me prender à história - isso os livros e os devotos contam melhor do que eu. Falo como quem vê de fora, mas não consegue deixar de se encantar. Minha mãe bem que queria que eu fosse mais religioso, mas Deus me deu pouca fé, embora isso não me faça perder a oportunidade de me deliciar nas pequenas coisas que só essa época traz. Porque é nessa época que o paraense se torna ainda mais paraense. As panelas recebem pato no tucupi, como se fosse impossível não cozinhar esse prato em outubro. Aliás, o tucupi tem algum limite? Tudo que ele toca ganha alma. A maniçoba, então, fica ali borbulhando sete dias inteiros no fogo, quase como uma reza que se faz com colher de pau. E, de noite, as janelas se iluminam com velas tremulando - e cada casa parece carregar dentro dela um...

Ela, a taça e a música!

Ela exibia uma dança elegante, com os olhos cerrados, parecendo flutuar graciosamente entre os presentes e os móveis do ambiente. Sua atenção parecia desvinculada da proximidade ou distância dos demais ali presentes. Possuía tez branca, discretamente perolada pelo suor; seus cabelos, de um castanho claro quase loiro, eram volumosos e levemente ondulados, talvez reflexo da avançada hora ou de uma generosidade natural. Vestia uma saia cinza, ajustada e de comprimento modesto, confeccionada em um tecido robusto de algodão; a blusa era branca, adornada com detalhes vermelhos verticais e discretos botões. De estatura mediana, silhueta esguia e bem contornada, exibia uma beleza delicada e harmoniosa. Além de bastante sensual e convidativa para as imaginações mais criativas. Sua aparência sugeria uma dedicação a atividades físicas. Era provável que malhasse com certa eventualidade. As orelhas, de tamanho proporcional, apresentavam um tom levemente avermelhaado, daquelas que dão vontade de mor...

.Um dia atípico

Vinte anos. Era o tempo que havia passado desde meu nascimento até aquele momento marcante. Uma fase repleta de incertezas e projetos ambiciosos, caracterizada pela doçura e singularidade, pois coincidia com o auge do desenvolvimento humano. Idade gostosa e extremamente peculiar por corresponder ao cerne da amadurecência humana. A conclusão da faculdade se aproximava, assim como o alvorecer da minha carreira profissional. Todos os pensamentos estavam voltados pra este cenário. Não obstante, comecei a perceber algo: sentia que uma aflição visitava o coração da Dona Maria. Suspeitava que a razão fosse a saúde debilitada de nosso gato de estimação, animal pelo qual minha mãe era extremamente devotada. Embora todos em casa nutríssemos uma sincera afeição pelo felino, a preocupação dela parecia desproporcional ao que a situação exigia. Surgiu em mim a suspeita de que algo mais grave estava em curso. Observava frequentemente minha mãe em cochichos e deslocamentos apressados com minha irmã,...

Workaholic

O barulho era forte. Parecia alguém desesperado. No entanto, a exaustão acumulada após longas horas tentando dormir era mais avassaladora. Pensamentos sobre o trabalho e diversas inquietações permaneciam incessantes em minha mente. Quando ouvi o desespero na voz que gritava: "Ádimo, Áaaadimo, Áaaaaadimo," não tive outra escolha senão levantar. Ainda meio tonto, sem saber diferenciar sonho de realidade, caminhei em direção à janela. Com um andar tão lento que mal tive tempo de ver a cara do desesperado que me chamava àquela hora inoportuna, cheguei à janela. Debruçado para fora, não vi mais que um cachorro idoso, debilitado e doente, revirando sacos de lixo pela gélida rua cinzenta, provavelmente em busca de alimentos. Pobre animal! O próprio vento tinha mais sorte em encontrar comida em meio aos entulhos acumulados pelo povo mal educado que habitava o bairro de classe média da pacata cidade, que naquele ano vivia um dos invernos mais chuvosos de todos os tempos, localizada ao...

Inaugural

Nada como iniciar algo no primeiro dia do mês, não?! Tem aquele apelo psicológico de que tudo caminhará bem e dentro das melhores expectativas. É assim com estudo, com academia, com trabalho, com volta às aulas, com uma dieta, uma meta qualquer, e claro, com um Blog!!! Tenho escrito muita coisa, como sempre o fiz por puro  hobbie . Já havia tentado organizar num passado remoto estes textos, mas não deu muito certo. Identifiquei os erros que me 'travaram' e agora esta é uma nova tentativa. Vou organizá-los e identificar os "mostráveis" para postar aqui aos poucos, como forma de expulsar algumas coisas e possivelmente aprender algo :) So...Let's go, october!